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Dorrescan.
Setembro de 2023.
A Adultização Precoce De Crianças No Mundo Cor-de-rosa Da Barbie.
O filme Barbie: Big City, Big Dreams, do diretor Scott Pleydell-Pearce; escrito por Christopher Keenan e Catherine Splaine; produzido por Emory Ronald Myrick; país de origem: EUA, nos convida a mergulhar em um mundo de fantasia para esquecermos os problemas da vida real e colorirmos nossa realidade para evitar frustrações.
Acontece que — e isto não é de hoje — algumas pessoas estão utilizando artifícios para viver o lúdico e abandonar as dificuldades pertinentes as suas vidas, transformando as mesmas em obsessão, essa mesma obsessão que ora pode ser sentida como leve e divertida, ora pode ser uma fuga da realidade.
Na trama do filme, identificamos facilmente a crise existencial, a auto aceitação, a dependência emocional — através da busca do Ken por aprovação e validação — por medo de ser abandonado pelo outro, além da falta de autoconhecimento, sentimento de tristeza, baixo autoestima, ansiedade, desespero, medo e insegurança.
O universo glamoroso da Barbie promove nos espectadores mirins (classificação etária para qual o filme é dirigido) uma adultização (permita-me o neologismo) precoce das crianças através do consumismo de bens para aproximarem-se de um padrão ideal, muitas vezes inatingível, gerando sentimentos de inadequação e frustração em crianças e adolescentes que vislumbram um padrão de beleza, riqueza e sucesso da boneca alienada; isto é triste e muito perigoso porque estamos falando de indivíduos que não têm ainda sua mente formada.
Como artista de teatro, que também sou, tenho a consciência da responsabilidade e importância de sermos formadores de opinião, e mais ainda, sermos formadores de plateia quando levamos à público um trabalho direcionado para crianças e adolescentes: não me parece o caso do filme aqui mencionado.
Freud em sua teoria da “Psicologia Das Massas” nos ajuda a entender esse fenômeno, pois o efeito de contágio emocional é um aspecto importante da psicologia das massas, e o marketing que gira em torno do filme despertou esse contágio, infelizmente.
A busca por pertencimento e a identificação com os valores representados pelo mundo da Barbie alimentam tal frenesi, impulsionando a fuga temporária do mundo real para o universo de fantasia e glamour associado à boneca, ou seja, o seu mundo cor-de-rosa. Então, você deve estar querendo me perguntar “mas qual o problema de viver uma fantasia?”, e eu lhe respondo: não há problema algum em viver uma fantasia, o problema está em substituir a realidade pela fantasia, fazendo dessa fantasia a sua realidade, e isto agrava-se quando os equivocados são crianças e adolescentes.
Agora, a pergunta que não quer calar: fugir, ainda que temporariamente, para um mundo de fantasia e glamour vai ajudar a superar nossas angústias e faltas - sentimento e condição que são pertinentes a nós, seres humanos e que, portanto, não há como mudar, pois, não há cura para a angústia (e sim administração) e cada indivíduo possui a sua incompletude, uma vez que somos seres desejantes?
É lamentável que uma produtora tenha investido (ou gastado) tempo, dinheiro, artistas e técnicos em um trabalho tão inapropriado e desaconselhável, não só para o público infantil e adolescente, como também para todos os gêneros e idades. Aconselhado, apenas, para quem quer ou gosta de enganar-se.
Carlos Henrique Dorrescan
Psicanalista.